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Função pública em greve: "O tempo da diplomacia já passou"

21 de janeiro de 2025

Funcionários públicos de Moçambique estão em greve por tempo indeterminado para exigir o pagamento do 13.º salário. Porta-voz diz que o Governo "não valoriza o funcionário público" e não está a pagar porque "não quer".

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Professores moçambicanos em protesto
Funcionários públicos de Moçambique estão em greve por tempo indeterminado para exigir o pagamento do 13.º salário (imagem de arquivo)Foto: Romeu da Silva/DW

Funcionários públicos moçambicanos estão, desde segunda-feira (20.01), em greve por tempo indeterminado

As associações Nacional dos Professores (ANAPRO), Nacional dos Enfermeiros de Moçambique (ANEMO), dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) e dos Professores Unidos (APU) e o Sindicato Nacional da Função Pública (SINAFP) protestam contra o não pagamento do 13.º salário.

O Governo indicou que a crise pós-eleitoral no país obrigou à reformulação do Orçamento do Estado de 2024, incluindo o corte do referido vencimento, e admitiu "dificuldades" para o pagamento imediato do 13.º mês à função pública.

Em entrevista à DW, Isac Marrengula, presidente da Associação Nacional dos professores (ANAPRO) e porta-voz das organizações reivindicativas, diz que o Governo "não quer resolver o problema". 

Mas sublinha que "o tempo da diplomacia já passou". "Agora é tempo de pagamento. Que se pague o que se deve aos funcionários públicos e voltarão a trabalhar", remata.

DW África: O que motivou esta greve dos funcionários públicos moçambicanos?

Isac Marrengula (IM): O que motiva esta paralisação geral é o facto de o Governo assumir que não estão criadas as condições para o pagamento do 13º salário aos funcionários públicos num momento em que estamos a assistir ao pagamento da reintegração de altos quadros do Governo. Isso só comprova que o Governo não está a pagar não porque não tem dinheiro, mas porque não quer, porque não respeita, não valoriza os funcionários do Estado.

Estamos a falar de 11 milhões de meticais (cerca de 167.000 euros) para a reintegração da ex-Presidente da Assembleia da República, 8 milhões de meticais para o primeiro-ministro e tantos outros milhões de meticais gastos para pagar gente incompetente e inútil e esquecendo aqueles que são o garante para a continuidade desta Nação. Trata-se de um universo de quatro mil funcionários, um número insignificante quando comparado com o dinheiro que está a ser gasto para pagar essas reintegrações.

Isac Marrengula, presidente da Associação Nacional dos professores (ANAPRO)
"São anos e anos de luta e vemos que o Governo não está a levar a sério esta luta", lamenta Isac MarrengulaFoto: Silaide Mutemba/DW

DW África: O Governo admitiu que a crise pós-eleitoral no país obrigou à reformulação do Orçamento do Estado de 2024, incluindo o corte do 13º salário. O que está a dizer é que a "corda rebentou no lado mais fraco"?

IM: Volto a reiterar que o Governo não valoriza e desrespeita o funcionário público. As medidas teriam de ser para todos e não apenas olhar para uma classe desfavorecida, que neste caso é o próprio funcionário e agente de Estado. O que o funcionário moçambicano recebe é insignificante, nem chega para cobrir as suas necessidades mínimas diárias.

Uma semana antes de o Estado assumir que não estava em condições de fazer o pagamento das horas extras, o Conselho de ministros já havia dado garantias para esse pagamento. Não sabemos como é que, no espaço de uma semana, o Governo vem contradizer-se. Tudo isso só prova a falta de vontade do Governo. Quer testar até onde vai a resiliência do funcionário público, mas na sexta-feira (17.01) nós provamos isso com a nossa decisão e nesta segunda-feira (20.01) começaram as paralisações à escala nacional.

DW África: E como tem sido a adesão?

IM: Temos escolas onde os professores deviam estar a controlar os exames especiais. Exames esses que não foram realizados no ano passado porque o Governo já tinha uma dívida de pagamento de horas extras de três anos aos professores. Ontem, dia de arranque dos exames especiais, em algumas escolas os professores não se fizeram presentes. Ou seja, os alunos estiveram a fazer os exames sem a vigilância dos professores. Chegaram a usar até telemóveis durante os exames. Em algumas escolas, tivemos elementos da Polícia de Intervenção Rápida a vigiar as provas. E, em algumas escolas, o Governo acabou por usar outra estratégia que foi dar dias de férias coletivas aos professores e, em substituição, usar outros professores, da sua confiança, ou polícias e guardas para poderem controlar os exames.

Hospital Central de Maputo
Profissionais de saúde do Hospital Central de Maputo, o maior do país, também paralisaram as atividades exigindo também subsídios em atrasoFoto: DW/J. Beck

É mais fácil pensar-se que no setor da educação a greve não está a acontecer porque o professor é substituível. Mas o mesmo não acontece na saúde. Também no setor da saúde as paralisações estão a decorrer à escala nacional. Os enfermeiros em alguns casos não se fazem presentes nas unidades hospitalares. Até então as paralisações estão a decorrer e só irão terminar quando o Governo pagar, na íntegra, o 13º salários aos funcionários.

DW África: Moçambique está neste momento mergulhado numa crise. Não receiam que estas paralisações, em áreas-chave como a saúde e a educação, venham a complicar ainda mais a situação do país?

IM: Para uma situação extrema, uma medida extrema. São anos e anos de luta e vemos que o Governo não está a levar a sério esta luta. Estamos clientes da gravidade, mas neste momento, é a única forma que encontrámos para a resolução do problema e acreditarmos que tudo está sob a responsabilidade do Governo. O Governo, querendo evitar o descalabro da Nação, terá mesmo de responder às reivindicações dos funcionários do Estado.

DW África: O Governo diz que está a estudar alternativas para concretizar esses pagamentos. Quais as vossas expectativas?

IM: Para nós foi até estranho porque o Governo sabe onde nos encontrar. Até aqui o Governo não nos contactou. Prova de que não está aberto ao diálogo. O Governo tem estado a passar a mensagem através dos órgãos de comunicação social, não está a sentar-se com os representantes sindicais para dialogar e só mostra, mais uma vez, que não quer resolver o problema. Só quer que se pense que os representantes dessas associações sindicais é que são os culpados.

A culpa, neste momento, tem de ser atribuída ao próprio Governo que não está a abrir uma janela para o diálogo. E isso só vai perpetuar, cada vez mais, a situação que o país está a viver. Mas nós acreditamos que o Governo não quer pagar. Se quisesse pagar, ainda hoje podia pagar. Já não se trata de articulação, andarmos de um lado para o outro. O tempo da diplomacia já passou, agora é tempo de pagamento. Que se pague o que se deve aos funcionários públicos e voltarão a trabalhar.

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