Droga em Bissau: Julgamento decorreu sem "contraditório"
8 de janeiro de 2025O caso avião apreendido com mais de 2,6 toneladas de cocaína ainda não acabou. Os cinco cidadãos estrangeiros detidos desde setembro na Guiné-Bissau, foram condenados a 17 anos de prisão por tráfico de drogas, na passada segunda-feira (06.01).
Tratou-se da maior apreensão de drogas na Guiné-Bissau.
À DW, o advogado de defesa dos cinco latino-americanos, Simão Té, denunciou "as várias irregularidades" que disse "mancharam" a legalidade do processo. Durante o julgamento, as cinco pessoas que estavam a bordo do aparelho disseram ao tribunal que o destino era o Mali e que só aterraram no Osvaldo Vieira devido à escassez de combustível.
Os cinco condenados, em prisão preventiva desde o dia 07 de setembro de 2024, foram acusados de coautoria no crime de "tráfico de substâncias estupefacientes agravado" e crime de "utilização ilícita de aeronave", tendo transportado a droga do México até Bissau. O tribunal absolveu os cinco condenados da prática de crime de "associação criminosa", precisou o advogado em entrevista à DW.
A instância decidiu igualmente confiscar em favor do Estado guineense a aeronave, uma medida que já tinha sido anunciada pelo Presidente do país, Umaro Sissoco Embaló.
Simão Té afirmou que a defesa considera que durante o julgamento "não houve contraditório", por isso, vai recorrer da decisão.
Simão Té (ST): Não concordamos com a decisão do Tribunal. O Ministério Público acusou os nossos clientes de praticarem três crimes, nomeadamente: tráfico internacional de droga, crime da associação criminosa, e o crime de condução perigosa.
Felizmente, os nossos constituídos foram absolvidos da acusação da associação criminosa. O Tribunal decidiu condená-los por praticarem crime de condução perigosa e tráfico Internacional de estupefaciente.
DW África: E sobre estas duas acusações, qual foi a alegação da defesa?
ST: Para nós, os nossos suspeitos estavam em Bissau não porque queriam, tiveram cá porque há uma situação alheia à vontade de cada um dos tripulantes no avião. O próprio Ministério Público através de testemunhos arrolados, confirmou de que o avião não tinha combustível suficiente para continuar o voo e se tivesse continuado mais de 20 minutos, poderia ter ocorrido um acidente trágico.
E então a Convenção de Chicago permite que qualquer aeronave, nestas circunstâncias, pouse em qualquer aeroporto que tenha melhores condições para poder garantir a vida.
DW África: Ou seja, conseguiram provar que o destino final do avião não era Guiné-Bissau, mas sim outro país?
ST: Não, não era para a Guiné-Bissau. Infelizmente, as condições climatéricas não favoreceram bastante os tripulantes para chegarem ao destino final, que era Mali, porque foi provado que eles iam mesmo para o Mali.
Infelizmente, a situação obrigou-os a aterrar no aeroporto internacional Osvaldo Vieira.
DW África: Houve autorização para tal? As autoridades autorizaram a aterragem do jato privado?
ST: Eles solicitaram a aterragem e foram autorizados. Não é que eles violaram e entraram no território da Guiné-Bissau sem serem autorizados. E então há uma figura jurídica no nosso Código Penal, segundo a qual o legislador prevê a questão de estado de necessidade.
Sobre a condução perigosa, ficou provado que o avião, felizmente, tinha toda a documentação. Então, de acordo com as normas internacionais que balizam esta matéria, um avião que não tem documentação, pode ter sido considerado como de condução perigosa, mas este avião, em concreto, não, porque tem toda a documentação válida.
DW África: Confirma também que durante o processo judicial, os suspeitos não foram tratados condignamente?
ST: Isto é verdade, porque infelizmente não tiveram cuidado de ouvi-los com os intérpretes. É uma obrigação legal. A audição que ocorreu na Polícia Judiciária (PJ), infelizmente não foram nomeados intérpretes como manda a lei. No Ministério Público, não foram também nomeados intérpretes. E uma outra questão é que antes da audiência de julgamento, a defesa requereu a confiança do processo. Infelizmente, até hoje, a defesa não tem uma decisão, um despacho que lhe dá acesso ao processo.
E então fomos para o julgamento sem processo, o que significa que foi violado o princípio de contraditório, que é um princípio constitucional indissociável a cada um dos suspeitos.