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ComércioBrasil

O polêmico hormônio que gera críticas à carne brasileira

5 de dezembro de 2024

União Europeia barrou importações do Brasil de carne bovina de fêmeas devido a uso do estradiol, proibido no bloco desde os anos 1990. Especialistas dizem que medida seria protecionista e não devido a riscos de consumo.

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Rebanho no pasto
Estradiol é usado na chamada Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF)Foto: Mario Tama/Getty Images

A União Europeia (UE) e o Reino Unido baniram em outubro as importações do Brasil de carne bovina de fêmeas. A razão alegada é o hormônio estradiol, proibido no bloco desde os anos 1990 na produção animal. Por outro lado, o setor nacional alega que a forma como a substância é utilizada no país não representa riscos, e que se trata meramente de um argumento protecionista europeu.

O hormônio foi aplicado como um anabolizante para estimular crescimento bovino por décadas, até que, nos anos 1980, países europeus passaram a restringir seu uso. Uma diretiva europeia sobre o tema considera que o estradiol não é essencial para a produção de animais destinados à alimentação humana, e que existem alternativas.

Em outubro de 2003, a UE aprovou uma legislação que proíbe permanentemente a utilização de estradiol para fins de promoção do crescimento. A ação se baseou em um parecer que examinou os resultados de 17 estudos, encomendados pela Comissão Científica de Assuntos Veterinários Relacionados com a Saúde Pública (SCVPH, na sigla em inglês).

A conclusão foi de que existiria um conjunto substancial de provas que sugerem que o estradiol deve ser considerado um agente cancerígeno completo – que exerce efeitos tanto de iniciação como de promoção de tumores – e que os dados disponíveis não permitiriam uma estimativa quantitativa do risco para assumir um limite tolerável.

Pelas restrições, o tema foi alvo de disputas duras entre os europeus e os Estados Unidos, com a Organização Mundial do Comércio (OMC) sendo acionada para mediar a questão. Durante todo o processo, o argumento americano foi o de que não existiam evidências suficientes dos malefícios do estradiol, e que, o fato de se tratar de uma substância natural, presente inclusive no corpo humano, provava a segurança do uso.

Críticas ao Brasil

Recentemente, na França, o deputado Vincent Trébuchet chegou a comparar a carne brasileira a lixo, enquanto repudiava o acordo entre UE e Mercosul no Parlamento. "A realidade é que os nossos agricultores não querem morrer e que os nossos pratos não são lixos. Por não conseguirmos preservar nossa soberania nos últimos 25 anos, os governos franceses se mostraram distantes, tímidos, receosos em relação a esse acordo", expressou.

Nas últimas semanas, grupos do país também contrários ao acordo, como o FoodWatch, apontaram justamente o estradiol como uma razão para não firmar o tratado. As publicações vieram no mesmo contexto do anúncio do Carrefourde que não venderia mais carnes produzidas no Mercosul em seus estabelecimentos franceses.

A publicação da ONG Carne bovina hormonal do Brasil: comemos sem saber? alega que não é possível saber quanto do volume de carne importado foi submetido ao tratamento e entrou de forma "fraudulenta" no mercado francês. Além dos riscos à saúde, o setor alega uma competição injusta, já que a pecuária francesa é obrigada a provar que não utilizou dos hormônios na produção, o que representaria mais custos.

Por outro lado, a posição majoritária no Brasil é a de que a carne não representa riscos, e que o estradiol é usado apenas no tratamento de fertilidade, o que não deixaria vestígios perigosos. Segundo especialistas e agentes do setor, o hormônio é expelido pelos animais muito antes do abate, e a quantidade que chega ao consumidor final não oferece danos. O estradiol é um problema quando usado para induzir o crescimento, o que não está permitido no país.

Uso importante na inseminação

No Brasil, a Instrução Normativa n° 55 de 2011, do Ministério da Agricultura e Pecuária, determina que: é proibido o uso, a importação, produção e comercialização de hormônios de crescimento. Por outro lado, é permitido o uso de hormônios para fins terapêuticos, ou seja, para o tratamento de doenças, e para a reprodução ou inseminação.

Hoje, a grande relevância no país está na chamada Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF). O estradiol funciona como um indutor sobre o folículo ovulatório, o que permite ampliar as taxas de gestação das vacas.

Segundo Pedro Veiga, zootecnista e gerente global de tecnologia de bovinos de corte da Nutron/Cargill, atualmente, a inseminação artificial é aplicada em mais de 20% do gado preparado para corte no Brasil, sendo o estradiol parte de um protocolo comum. "No Brasil, especificamente, o estradiol é muito importante pela predominância das vacas zebu. Neste caso, há uma função crítica dada à realidade do rebanho."

O efeito reprodutivo do estradiol neste tipo de animais é mais destacado que em outras variedades, como os taurinos. Segundo uma série de estudos, a fertilidade das vacas pode cair até 20% no caso de ausência do hormônio na reprodução quando comparado com protocolos com sua presença.

Sobre os problemas à saúde do uso para a inseminação, Veiga afirma que "não há risco nenhum. A própria vaca que está em um ciclo normal produz um nível de estradiol. Os níveis usados são mínimos".

Rebanho no pasto
UE deu prazo de 12 meses para produtores brasileiros se adaptarem às exigências do blocoFoto: Nádia Pontes

Giancarlo Magalhães, diretor da Reproducio, consultoria em reprodução bovina, concorda, e explica que o tempo de uso no ciclo garante níveis não perigosos da sustância. "Não aplicamos um determinado fármaco para o animal ser abatido amanhã. Dá tempo de esse resíduo ser excretado, o que não possui um efeito acumulativo."

No artigo Proibição de hormônios na reprodução animal: o que esperar e o que fazer?, os autores Gabriel Amilcar Bó e Alejo Menchaca afirmam que "não existem argumentos sólidos que comprovem que o estradiol utilizado nas doses indicadas para os protocolos de IATF e de transferência de embriões afetam a segurança alimentar". Por sua vez, lembram que não existe nenhum método disponível para identificar se uma vaca recebeu uma dose de estradiol para IATF, o que impulsiona restrições.

Proibição em outros países e efeitos no Brasil

O banimento do uso do estradiol vem avançando em outras partes do mundo, levando bastante em conta o mercado europeu. O Uruguai baniu o hormônio em 2021, enquanto Argentina, Chile e Paraguai criaram limitações próprias. No caso argentino, desde 2022, é obrigatório que os rótulos do produto contenham a informação de que eles não devem ser usados em elementos que tenham a UE como destino.

Entre outros países que restringem o hormônio em diversas formas, estão Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia.

Neste ano, um relatório da Comissão Europeia concluiu que não era possível garantir que o hormônio não era utilizado nos produtos enviados ao bloco devido à ausência de um sistema de rastreabilidade. O resultado foi a decisão de passar a comprar apenas carne de bovinos machos até que o Brasil pudesse oferecer tais garantias.

O Brasil recebeu um prazo de 12 meses para se adaptar às exigências do bloco. Segundo Veiga, o principal é a segregação dos animais, além da garantia de que as fêmeas enviadas à UE não foram tratadas com o hormônio. "Querem que seja provado que não houve aplicação para enviar o produto à Europa", afirma.

Por sua vez, ele é cético sobre mudanças, diante de um mercado que hoje já não é tão relevante para os produtores brasileiros. "É necessário ter um controle muito complexo, as fazendas têm outras prioridades. Seria muito trabalho a se adotar", avalia. De acordo com Veiga, menos de 2% da carne exportada pelo país tem o continente como destino.

Além disso, na prática, como são países que importam muito mais gado macho que fêmeas, Magalhães não crê que haja grande efeito das exigências europeias. "Se pegarmos o total de envios que tiveram o uso do hormônio, é irrisório. A suspensão não mudou muita coisa", afirma.

Sobre alternativas, ele lembra que muitas já vêm sendo aplicadas nos países que banem o uso do hormônio. Por sua vez, "para nós, o custo destes produtos é muito elevado", afirma. Um método usado na Europa e nos Estados Unidos é o chamado o hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH).

Estudos, no entanto, apresentaram menos eficácia desse método no gado brasileiro do que em outros países. Além disso, a aplicação do protocolo com GnRH pode representar um grande manejo extra durante a produção.

Na opinião de Magalhães, os custos e a competitividade seriam a grande razão por trás das críticas à carne brasileira, uma das mais baratas do mundo. Em sua visão, o que puder ser feito para barrar o produto na Europa será de interesse dos produtores locais. Para Magalhães, nem mesmo um sucesso da campanha para bloquear o tratado de livre comércio cessará a disputa. "Não acredito que se o acordo com o Mercosul for barrado, os ataques irão parar", conclui.

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