Fotografia
4 de dezembro de 2006Sofrimento e glamour a poucos passos de distância. De um lado, reproduções em preto-e-branco de cenários de guerra e miséria. Do outro, encenações pop em cores berrantes e com boas doses de hedonismo de universos como o hollywoodiano.
A Fundação Helmut Newton, sediada em Berlim, traz ao público retratos masculinos do falecido anfitrião Newton ao lado de imagens captadas pelo fotógrafo de guerra James Nachtwey e de criações de moda e estilo de David LaChapelle.
Contradições expostas
Newton, morto há dois anos, "admirava muito o trabalho dos colegas Nachtwey e LaChapelle", justificou a viúva June durante a abertura da exposição, que poderá ser vista na capital alemã até 20 de maio de 2007. A idéia de expor suas próprias obras ao lado de fotografias de outros artistas era um desejo do fotógrafo alemão, diz June.
Men & War & Peace (Homens & Guerra & Paz) faz exatamente isso: mistura conceitos distintos, para não dizer díspares, provocando o olhar através das contradições que surgem entre os temas expostos. "Uma avalanche de sensações", observa o curador Matthias Harder.
Encarar a diferença
E por que uma compilação tão cheia de contrastes? Há pontos de interseção entre as imagens expostas? "As fotos de David [LaChapelle] também têm muito a ver com violência, isso é o que há em comum entre o meu trabalho e o dele", diz James Nachtwey.
O fotógrafo, que vê semelhanças entre essas obras aparentemente tão distintas, acredita que expor paralelamente a miséria de guerra que documenta e os excessos expostos por LaChapelle levam o observador à reflexão. "Está certo querer fugir? Ou não deveríamos, ao contrário, mergulhar no mundo de contradições em que vivemos?", questiona Nachtwey.
Políticos x fotógrafos
A resposta do fotógrafo norte-americano é clara: ir ao encontro do conflito, registrando com a câmera cada vez mais de perto diversos cenários de guerra, estejam estes no Afeganistão, Tchetchênia, Iraque ou mesmo na Nova York logo após o 11 de setembro, da qual a exposição traz reproduções de cenas dramáticas.
Destruição, repressão, medo e desespero constituem as fotos de Nachtwey. "Os políticos contam uma versão da guerra, os fotógrafos outra. Chega um momento em que um número crítico de imagens começa a questionar por si as razões de uma guerra", comenta o fotógrafo.
Aparentemente distantes estão as fotos "excessivas" de David LaChapelle, com políticos ou artistas conhecidos esbanjando-se em cenas em que o kitsch e a morbidez dão o tom. Trata-se de "obsessões" ou simplesmente da "natureza humana", descreve o fotógrafo. Na reprodução intitulada Santa Ceia, por exemplo, rappers estão sentados à mesa em torno de Jesus Cristo.
Acaso na encenação
"Apenas documento, não julgo nada", diz LaChapelle. Suas fotografias, porém, incluem com freqüência interferências através de desenhos, sendo bastante distantes das reproduções cruas de Nachtwey. O processo de criação, apesar da encenação, é muitas vezes casual, diz o fotógrafo.
O fato de o homem que segura nos braços Courtney Love – vestida de Virgem Maria, na foto Pietà – ser a cara de seu falecido marido Kurt Cobain, "aconteceu simplesmente", garante LaChapelle. Na exposição em Berlim, é possível até assistir a um documentário curto sobre a criação desta imagem.
Alegria e sofrimento
Os retratos masculinos feitos por Helmut Newton acabam confinados ao segundo plano da mostra.
Um chefe de governo alemão, atores e atrizes norte-americanos e cantores italianos substituem o lugar tradicionalmente ocupado pelos nus femininos produzidos por Newton.
A fundação que leva seu nome oferece, acima de tudo, espaço para os convidados Nachtwey e LaChapelle. Um espaço onde a alegria e o sofrimento aparecem de mãos dadas.